Um mal-entendido historiográfico como lugar de memória
Sobre a assim chamada “Revolta da Praia do Sangue”
DOI:
https://doi.org/10.24979/makunaima.v6i2.1459Palavras-chave:
Historiografia, Roraima, história, Amazônia, história, América Portuguesa, Colonização da América, IHGBResumo
A chamada “Revolta da Praia do Sangue” é um dos eventos mais compartilhados nas representações coletivas dos roraimenses sobre o passado histórico do rio Branco. Trata-se, assim, de um elemento da consciência histórica local. No entanto, frequentemente tal episódio tem sido mencionado sem contestação, mas sem que se compreenda a origem dessa tradição. Efetivamente, sabemos que houve dois ciclos de rebeliões indígenas contra o projeto português de colonização no rio Branco nas últimas duas décadas do século XVIII, mas nenhum documento da época usa essa expressão. Na obra do cronista paraense Ladislau Baena, na década de 1830, o termo “Praia do Sangue” foi mencionado pela primeira vez, e não para designar a revolta, mas sim o lugar em que se deu um dos seus confrontos. Mais surpreendente ainda para os leitores do século XXI, o sangue a que Baena se referia não era dos indígenas legitimamente rebelados, mas sim dos soldados portugueses mortos pelos rebeldes. Inadvertidamente para todos os que mencionam a rebelião nos séculos XX e XXI, a empatia do termo se dirigia, originalmente, aos agentes coloniais, e não aos indígenas vítimas da colonização europeia. A crítica historiográfica do uso da “Revolta da Praia do Sangue”, reconstituindo a cadeia de sentidos e ressignificações do evento, revela-se, assim, muito útil para a compreensão dos usos da História, de suas relações com a memória e com a documentação. Apresenta-se, ainda, a transcrição de um documento inédito sobre a rebelião de 1790.
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