Um mal-entendido historiográfico como lugar de memória

Sobre a assim chamada “Revolta da Praia do Sangue”

Autores

DOI:

https://doi.org/10.24979/makunaima.v6i2.1459

Palavras-chave:

Historiografia, Roraima, história, Amazônia, história, América Portuguesa, Colonização da América, IHGB

Resumo

A chamada “Revolta da Praia do Sangue” é um dos eventos mais compartilhados nas representações coletivas dos roraimenses sobre o passado histórico do rio Branco. Trata-se, assim, de um elemento da consciência histórica local. No entanto, frequentemente tal episódio tem sido mencionado sem contestação, mas sem que se compreenda a origem dessa tradição. Efetivamente, sabemos que houve dois ciclos de rebeliões indígenas contra o projeto português de colonização no rio Branco nas últimas duas décadas do século XVIII, mas nenhum documento da época usa essa expressão. Na obra do cronista paraense Ladislau Baena, na década de 1830, o termo “Praia do Sangue” foi mencionado pela primeira vez, e não para designar a revolta, mas sim o lugar em que se deu um dos seus confrontos. Mais surpreendente ainda para os leitores do século XXI, o sangue a que Baena se referia não era dos indígenas legitimamente rebelados, mas sim dos soldados portugueses mortos pelos rebeldes. Inadvertidamente para todos os que mencionam a rebelião nos séculos XX e XXI, a empatia do termo se dirigia, originalmente, aos agentes coloniais, e não aos indígenas vítimas da colonização europeia. A crítica historiográfica do uso da “Revolta da Praia do Sangue”, reconstituindo a cadeia de sentidos e ressignificações do evento, revela-se, assim, muito útil para a compreensão dos usos da História, de suas relações com a memória e com a documentação. Apresenta-se, ainda, a transcrição de um documento inédito sobre a rebelião de 1790.

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Biografia do Autor

  • André Augusto da Fonseca, Universidade Estadual de Roraima/UERR

    André Augusto da Fonseca é graduado em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Mestre em Educação (UFRGS) e Doutor em História Social (UFRJ). Nascido em Roraima, atuou por dez anos na docência do ensino fundamental na escola pública e, desde 2007, trabalha no ensino superior na formação de professores, com foco no ensino e aprendizagem de História, tanto na graduação quanto na pós-graduação e em programas como o PIBID e Residência Pedagógica, na Universidade Estadual de Roraima. A partir de 2012, passou a pesquisar também as dinâmicas das relações entre indígenas e não indígenas na Amazônia e região das Guianas nos séculos XVIII e XIX.

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Publicado

29/01/2025

Como Citar

Um mal-entendido historiográfico como lugar de memória: Sobre a assim chamada “Revolta da Praia do Sangue”. (2025). Revista Eletrônica Casa De Makunaima, 6(2), 37-54. https://doi.org/10.24979/makunaima.v6i2.1459

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